quinta-feira, 2 de abril de 2015

LEMBRANÇAS DE COARACI - Enock Dias de Cerqueira. Homenagem Póstuma.

COARACI: QUANDO ME LEMBRO DE VOCÊ!
Enock Dias de Cerqueira

Afasta-se de nós, a cada dia, o tempo em que se ouvia música de boa qualidade nos frágeis, inconvenientes e ruidosos discos de 78 rotações; a longa espera para uma simples ligação telefônica para Salvador, ou mesmo Ilhéus; e as repetitivas trocas de filmes nas máquinas fotográficas. Mas ninguém tinha idéia do que poderia substituí-los para cumprir as exigências da tecnologia contemporânea. Aguardamos então que os cientistas descubram algum meio decente que materialize tudo que o tempo já sepultou. Só assim poderíamos rever os irmãos expedicionários Waldyr e Alcyr Freitas retornarem da Itália em 1945, e serem calorosamente ovacionados pela população, com direito a desfile em carro aberto pelas principais ruas da vila, sob os acordes da Banda de Música 13 de Junho em sua primeira aparição pública. Em outra oportunidade, iríamos rever a movimentação popular por conta do eclipse total do sol que trouxe de volta ao céu, estrelas e alguns planetas com o igual brilho de uma noite fria de inverno, mesmo os relógios indicando 9:20 da ensolarada manhã de 20de maio de 1947, surpreendendo trabalhadores dentro das roças, estudantes nas salas de aula, e fazendo aves e pássaros retornarem aos seus ambientes de repouso.Seria também uma oportunidade única para as gerações atuais reverem a incansável Alice Kruschevsky que, em algumas ocasiões, precisou do espaço do Cine Teatro Coaraci para diplomar algumas de suas turmas. Em seus muitos anos de atividades, milhares de outras alunasse diplomaram em sua academia de Corte e Costura. Coaraci ainda lhe deve o reconhecimento como a mais importante mulher de sua história.Iríamos também rever todos aqueles calorosos momentos da chegada do governador Otávio Mangabeira e sua comitiva na manhã de 29 de janeiro de 1949, bem como os quase dez mil coaracienses dominados pela felicidade que aguardavam na Praça Eusínio Lavigne, o comício-monstro que teve início às três da madrugada de domingo, - 01 de outubro de 1950
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Embora programado para às 21 horas do dia anterior. Todos desejavam ver seu candidato a prefeito Pedro Catalão que tinha em sua comitiva o tribuno Tarcílio Vieira de Melo, que, em oratória estava no mesmo nível de Afonso Arinos de Melo Franco, Tancredo Neves e Rui Barbosa. Menos de quarenta e oito horas depois - terça-feira 3 de outubro - Coaraci concentrava em suas ruas e praças, quase toda a sua população de mais de 60 mil habitantes, que, vestida a rigor, se preparava pra votar na eleição que tinha Getúlio Vargas como candidato imbatível, para presidente da República.Não foi preciso muito tempo para a Banda de Música trazer de volta às ruas uma pequena multidão de jovens coaracienses para acompanhar o desfile do boi Marabá, de Antônio Barbosa Teixeira, vencedor numa exposição em Uberaba, no distante sudoeste de Minas Gerais.À espera de um novo dia era motivo de alegria para cada coaraciense. Mas o mês de dezembro era o que trazia maior empolgação. Era uma época em que as últimas amêndoas de cacau deixavam o lastro das barcaças ou dos secadores para ser transformadas em moeda, e já indicavam um grande crescimento da economia do distrito. Quem estudava em Ilhéus, Salvador, Jaguaquara já estava no convívio de suas famílias, e nas ruas eram atenciosamente cumprimentados até pelas pessoas de pouca relação. O cine Glória e o cine Teatro Coaraci,assim como no antigo cine Rio Branco já havia uma maior frequência em suas salas de exibição por conta do natal, prestes a chegar. Os cultores da sétima arte já sabiam que precisavam chegar logo aos locais de projeção, antes que algum outro espectador ocupasse a sua poltrona preferida.
“Os personagens e incidentes deste filme são fictícios, e qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é meramente acidental” era uma frase constante na maioria deles. O the end  indicava que a sessão havia chegado ao fim, sempre em torno das vinte e duas horas, e algumas voltinhas no jardim era uma necessidade que tinha de ser cumprida, antes de voltar pra casa. Mas a Praça Getúlio Vargas, desde o tempo que se chamava Eusínio Lavigne, tinha um encanto a mais desde que foi dada como concluída em 1942. A praça era a extensão que faltava em cada lar. As poucas voltinhas, inicialmente programadas, logo caíam no esquecimento, e iam se sucedendo, uma após outra, e parecia nunca ter fim, e pouco importava se os sinais de um novo dia fossem surgindo por trás das serras da União Queimada. Antes de sair, desejavam identificar quem utilizou o serviço de alto- falante para oferecer a alguma delas “Índia”, “Solidão”, “Meu Primeiro Amor” de Cascatinha & Inhana,  músicas de extremo romantismo e já fazendo parte do dia-dia da população.O parque, inicialmente batizado como Estrela do Norte incentivava a alegria de cada habitante.Projetado e construído na oficina de João Ferreira por Waldyr Freitas e José Ângelo dos Santos sem 1941, logo tornou-se um compromisso em várias comunidades da região, mas reservava para Coaraci o longo período natalino, que, para seus proprietários se constituiu numa obrigação,religiosamente cumprida enquanto existiu. Entrava em funcionamento no meio das tardes, qualquer que fosse o dia da semana, e se estendia até a madrugada seguinte, algumas vezes com o dia já claro, quando se via obrigado a interromper a venda de ingressos para forçar a dispersão dos frequentadores. Era a própria materialização do natal. As poucas pessoas que ainda estão entre nós, ainda se lembram de alguma dificuldade para se atravessar a praça nos momentos de maior agitação popular, às vezes em plena madrugada, em decorrência do elevado número de pessoas. As imagens registradas em Coaraci nunca saíram da memória de quem, por questões puramente econômicas, tiveram que migrar para outras terras, onde nunca registraram momentos que tivessem o mesmo grau de felicidade como aqueles deixados para trás.

 lembrança

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