COARACI: QUANDO ME LEMBRO DE VOCÊ!
Enock Dias de Cerqueira
Afasta-se de nós, a cada dia, o tempo
em que se ouvia música de boa qualidade nos frágeis, inconvenientes e ruidosos
discos de 78 rotações; a longa espera para uma simples ligação telefônica para Salvador,
ou mesmo Ilhéus; e as repetitivas trocas de filmes nas máquinas fotográficas.
Mas ninguém tinha idéia do que poderia substituí-los para cumprir as exigências
da tecnologia contemporânea. Aguardamos então que os cientistas descubram algum
meio decente que materialize tudo que o tempo já sepultou. Só assim poderíamos
rever os irmãos expedicionários Waldyr e Alcyr Freitas retornarem da Itália em
1945, e serem calorosamente ovacionados pela população, com direito a desfile
em carro aberto pelas principais ruas da vila, sob os acordes da Banda de
Música 13 de Junho em sua primeira aparição pública. Em outra oportunidade,
iríamos rever a movimentação popular por conta do eclipse total do sol que
trouxe de volta ao céu, estrelas e alguns planetas com o igual brilho de uma
noite fria de inverno, mesmo os relógios indicando 9:20 da ensolarada manhã de
20de maio de 1947, surpreendendo trabalhadores dentro das roças, estudantes nas
salas de aula, e fazendo aves e pássaros retornarem aos seus ambientes de repouso.Seria
também uma oportunidade única para as gerações atuais reverem a incansável
Alice Kruschevsky que, em algumas ocasiões, precisou do espaço do Cine Teatro
Coaraci para diplomar algumas de suas turmas. Em seus muitos anos de
atividades, milhares de outras alunasse diplomaram em sua academia de Corte e
Costura. Coaraci ainda lhe deve o reconhecimento como a mais importante mulher
de sua história.Iríamos também rever todos aqueles calorosos momentos da
chegada do governador Otávio Mangabeira e sua comitiva na manhã de 29 de
janeiro de 1949, bem como os quase dez mil coaracienses dominados pela
felicidade que aguardavam na Praça Eusínio Lavigne, o comício-monstro que teve
início às três da madrugada de domingo, - 01 de outubro de 1950
–
Embora programado para às 21 horas do
dia anterior. Todos desejavam ver seu candidato a prefeito Pedro Catalão que
tinha em sua comitiva o tribuno Tarcílio Vieira de Melo, que, em oratória
estava no mesmo nível de Afonso Arinos de Melo Franco, Tancredo Neves e Rui
Barbosa. Menos de quarenta e oito horas depois - terça-feira 3 de outubro
- Coaraci concentrava em suas ruas e praças, quase toda a sua
população de mais de 60 mil habitantes, que, vestida a rigor, se preparava pra
votar na eleição que tinha Getúlio Vargas como candidato imbatível, para presidente
da República.Não foi preciso muito tempo para a Banda de Música trazer de volta
às ruas uma pequena multidão de jovens coaracienses para acompanhar o desfile
do boi Marabá, de Antônio Barbosa Teixeira, vencedor numa exposição em Uberaba,
no distante sudoeste de Minas Gerais.À espera de um novo dia era motivo de
alegria para cada coaraciense. Mas o mês de dezembro era o que trazia maior
empolgação. Era uma época em que as últimas amêndoas de cacau deixavam o lastro
das barcaças ou dos secadores para ser transformadas em moeda, e já indicavam
um grande crescimento da economia do distrito. Quem estudava em Ilhéus,
Salvador, Jaguaquara já estava no convívio de suas famílias, e nas ruas eram
atenciosamente cumprimentados até pelas pessoas de pouca relação. O cine Glória
e o cine Teatro Coaraci,assim como no antigo cine Rio Branco já havia uma maior
frequência em suas salas de exibição por conta do natal, prestes a chegar. Os
cultores da sétima arte já sabiam que precisavam chegar logo aos locais de
projeção, antes que algum outro espectador ocupasse a sua poltrona preferida.
“Os personagens e incidentes deste
filme são fictícios, e qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é
meramente acidental” era uma frase constante na maioria deles. O the end indicava
que a sessão havia chegado ao fim, sempre em torno das vinte e duas horas, e
algumas voltinhas no jardim era uma necessidade que tinha de ser cumprida,
antes de voltar pra casa. Mas a Praça Getúlio Vargas, desde o tempo que se
chamava Eusínio Lavigne, tinha um encanto a mais desde que foi dada como
concluída em 1942. A praça era a extensão que faltava em cada lar. As poucas voltinhas,
inicialmente programadas, logo caíam no esquecimento, e iam se sucedendo, uma
após outra, e parecia nunca ter fim, e pouco importava se os sinais de um novo
dia fossem surgindo por trás das serras da União Queimada. Antes de sair,
desejavam identificar quem utilizou o serviço de alto- falante para oferecer a
alguma delas “Índia”, “Solidão”, “Meu Primeiro Amor” de Cascatinha &
Inhana, músicas de extremo romantismo e
já fazendo parte do dia-dia da população.O parque, inicialmente batizado como
Estrela do Norte incentivava a alegria de cada habitante.Projetado e construído
na oficina de João Ferreira por Waldyr Freitas e José Ângelo dos Santos sem
1941, logo tornou-se um compromisso em várias comunidades da região, mas
reservava para Coaraci o longo período natalino, que, para seus proprietários
se constituiu numa obrigação,religiosamente cumprida enquanto existiu. Entrava
em funcionamento no meio das tardes, qualquer que fosse o dia da semana, e se
estendia até a madrugada seguinte, algumas vezes com o dia já claro, quando se
via obrigado a interromper a venda de ingressos para forçar a dispersão dos
frequentadores. Era a própria materialização do natal. As poucas pessoas que ainda
estão entre nós, ainda se lembram de alguma dificuldade para se atravessar a
praça nos momentos de maior agitação popular, às vezes em plena madrugada, em
decorrência do elevado número de pessoas. As imagens registradas em Coaraci
nunca saíram da memória de quem, por questões puramente econômicas,
tiveram que migrar para outras terras, onde nunca registraram momentos que
tivessem o mesmo grau de felicidade como aqueles deixados para trás.
lembrança
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