A mesma incerteza de outras eras
Em outubro de 2011, escrevi um pequeno texto - A Era da Incerteza, publicado no caderno Cultural de Coaraci, onde tentei fazer uma rápida reflexão sobre o que considero a crise estrutural do capital e de como o Brasil se inseria naquela conjuntura. Hoje, passado quase dois anos tento aqui pontuar o Brasil como parte dessa crise e de como o governo Dilma vem tratando para reduzir os efeitos dela.
Os limites do modelo neodesenvolvimentista dependente estão evidentes, dado o desenrolar da crise estrutural do capital. O crescimento econômico do Brasil em 2012 chegou a pífios 0,9% e as expectativas para 2013 não ultrapassam os 2,5%. No primeiro semestre de 2013, a balança comercial acumulou déficit de aproximadamente US$ 5 bilhões. O resultado no acumulado do ano é o pior na série histórica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, iniciada em 1993, e na do Banco Central, iniciada em 1959. A especialização regressiva de nossa economia, com a desindustrialização relativa do país, continua.
As medidas tomadas pelo governo, em prol do grande capital, surtem efeitos limitados. O Brasil continua tendo gastos elevadíssimos com o pagamento da dívida pública e as oscilações da taxa SELIC não mudam isso, até porque somente 24% da dívida pública a tem como referência, sendo que o restante têm, em média, juros de 11%. As recentes oscilações da SELIC mostram como o governo continua subordinado ao neoliberalismo, tendo a grande mídia como principal porta-voz dos agentes de mercado.
A saída utilizada pelo governo Dilma para reduzir os efeitos da crise trouxe de volta as privatizações. O governo anunciou, no início de 2013, pacote de R$ 133 bilhões para Parcerias Públicas Privadas (PPP), com grande parte dos recursos vindos do BNDES.
A retomada das ferrovias também faz parte do mesmo pacote. Serão investidos R$ 91 bilhões. A estatal VALEC e o BNDES serão responsáveis por até 80% dos recursos, que terão até 30 anos para serem pagos com juros subsidiados e carência nos 5 primeiros anos da concessão, além do Estado se responsabilizar na garantia do uso das ferrovias. Com estas medidas, estima-se rentabilidade de até 15% para os “investidores”.
Estes recursos não entram nos cálculos do superávit primário e, mesmo assim, o governo voltou a buscar um superávit de 2,3%, recuando das pequenas inflexões realizadas. Dilma e o PT continuam garantindo os interesses das frações hegemônicas do capital no Brasil, preservando o superávit primário e as taxas de juros elevadas.
A recente MP dos Portos é um exemplo do predomínio dos interesses do capital privado na agenda do Estado. Alardeada como modernizadora, a MP dos Portos parte de um pressuposto errôneo de que a livre concorrência contribuirá para a redução do “custo Brasil”. Em todos os sentidos essa concepção não se sustenta. A MP serve para retirar o Estado de importante setor estratégico a partir da retórica neoliberal da ineficiência pública. A possibilidade de controle dos portos por agentes privados tende a aprofundar as dificuldades para a construção de um modelo de desenvolvimento econômico alternativo.
O governo continua com os criminosos leilões das reservas de petróleo e gás. A realização da 11ª rodada de leilões, iniciadas ainda no período FHC, é mais uma medida do governo subordinada aos interesses das grandes corporações privadas internacionais e, em menor escala, nacionais. Não é surpresa, portanto, que o capital financeiro continue sendo o principal segmento beneficiado pela política econômica do Governo Dilma. O ano de 2012 superou 2011, com destinação de mais de R$ 710 bilhões para pagamento da dívida pública.
Na saúde, o governo negocia subvenções aos planos de saúde privados, continuando o estrangulamento do SUS. A luta pela Reforma Agrária foi abandonada. O primeiro ano de Dilma foi pior, em assentamentos, do que o primeiro ano de FHC. O número de assentamentos vem sofrendo forte redução desde 2007, associado ao fortalecimento do agronegócio, como vimos na discussão do Código Florestal e nos retrocessos que ameaçam as terras e os direitos indígenas.
Os povos indígenas enfrentam a pior relação com um Governo Federal desde a Ditadura Militar. Por sua vez os quilombolas cada vez mais sofrem as consequências da expansão da fronteira econômica agropecuária e mineral enquanto os governos do PT só regularizaram dois territórios quilombolas em 2011 e 2012. A submissão do governo às exigências do agronegócio se mostra também nas tentativas de mudança nas leis constitucionais e mecanismos operacionais de reconhecimento e implementação dos direitos dos povos tradicionais colocando assim em risco a vida e a cultura desses povos.
A juventude brasileira também sofre os impactos deste modelo. Segundo o Mapa da Violência 2012, aumentou a quantidade de jovens mortos por causas externas.
As políticas educacionais, inclusive com a expansão precarizada do ensino público federal, não conseguiram superar seus limites históricos.
A grande maioria dos jovens brasileiros continua sem acesso a políticas públicas em educação, saúde, cultura e lazer, o que permite a ampliação da dependência química, tráfico e violência que corroe o futuro de milhares. Enquanto os governos petista agem no sentido de viabilizar os interesses do grande capital, operam subsidiariamente tímidas melhoras no quadro social brasileiro, uma vez que essas contribuíram - associado à oferta de crédito - para ampliar o mercado interno, não entrando em contradição com o pacto burguês
O limitado aumento real do Salário Mínimo (abaixo do proposto pelo DIEESE, R$ 2.873,56), a ampliação das políticas compensatórias e a redução do desemprego contribuíram para a recente redução do índice de Gini, de 0,559, em 2004, para 0,508, em 2012. Estas pequenas alterações não mudam o fato do Brasil se encontrar entre os dez países mais desiguais do mundo, sendo o quarto pior na América Latina e Caribe. Porém, o quadro geral começa a ser de estagnação dos ganhos e início de perdas. Mais de 70% da população economicamente ativa recebe até três salários mínimos. Grande parte dessa massa de trabalhadores tem destinado parte destes recursos para serviços sociais privados. A falta de políticas públicas universalistas tem corroído parte do limitado aumento da renda recentemente alcançado. Enquanto isso, o governo petista considera de “classe média” aqueles que têm renda pessoal total a partir de R$ 291,00 por mês! Não é por acaso que as recentes mobilizações tiveram as políticas públicas como uma de suas principais pautas.
O mês de junho de 2013 foi um momento marcante registrou os maiores números de greves desde 1997.
Apesar da força que o governismo ainda detém, o povo brasileiro tem ido às ruas aos milhões, trazendo uma multiplicidade de bandeiras que questionam as políticas neoliberais, todas as opressões, o autoritarismo e a violência policial. Foi a jornada de lutas mais intensa desde as Diretas Já e todo este processo vem ocorrendo dentro de um clima de avanço da resistência popular
A tentativa de criminalização e a violência foram as marcas da relação dos governos com as lutas que se desenvolveram,
A direita procurou ocupar espaços – institucionais, eleitorais e midiáticos – tentando disputar os sentidos do movimento. Vimos também a presença de setores de extrema direita de corte fascista, com ações violentas pontuais. Já o governismo tentou cooptar o sentimento de rebeldia popular que tomou conta do povo propondo constituinte, plebiscito, e tantas coisas das quais recuou e até agora não sabe bem o que vai fazer. A desorientação política continua principalmente porque o movimento reduziu sua intensidade, com atos de efeitos pontuais de alcance nacional, mas sem detonar a mobilização de antes. A jornada de junho de 2013, até agora, saiu com vitórias importantes, de efeitos parciais e gerais, tanto econômicos como ideológicos.
Portanto, neste contexto de crise internacional, de baixo crescimento econômico, de retomada da resistência popular e queda generalizada da popularidade dos governantes, a incerteza de outras eras continua,
Carlos Bastos Junior -China/ APS
Em outubro de 2011, escrevi um pequeno texto - A Era da Incerteza, publicado no caderno Cultural de Coaraci, onde tentei fazer uma rápida reflexão sobre o que considero a crise estrutural do capital e de como o Brasil se inseria naquela conjuntura. Hoje, passado quase dois anos tento aqui pontuar o Brasil como parte dessa crise e de como o governo Dilma vem tratando para reduzir os efeitos dela.
Os limites do modelo neodesenvolvimentista dependente estão evidentes, dado o desenrolar da crise estrutural do capital. O crescimento econômico do Brasil em 2012 chegou a pífios 0,9% e as expectativas para 2013 não ultrapassam os 2,5%. No primeiro semestre de 2013, a balança comercial acumulou déficit de aproximadamente US$ 5 bilhões. O resultado no acumulado do ano é o pior na série histórica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, iniciada em 1993, e na do Banco Central, iniciada em 1959. A especialização regressiva de nossa economia, com a desindustrialização relativa do país, continua.
As medidas tomadas pelo governo, em prol do grande capital, surtem efeitos limitados. O Brasil continua tendo gastos elevadíssimos com o pagamento da dívida pública e as oscilações da taxa SELIC não mudam isso, até porque somente 24% da dívida pública a tem como referência, sendo que o restante têm, em média, juros de 11%. As recentes oscilações da SELIC mostram como o governo continua subordinado ao neoliberalismo, tendo a grande mídia como principal porta-voz dos agentes de mercado.
A saída utilizada pelo governo Dilma para reduzir os efeitos da crise trouxe de volta as privatizações. O governo anunciou, no início de 2013, pacote de R$ 133 bilhões para Parcerias Públicas Privadas (PPP), com grande parte dos recursos vindos do BNDES.
A retomada das ferrovias também faz parte do mesmo pacote. Serão investidos R$ 91 bilhões. A estatal VALEC e o BNDES serão responsáveis por até 80% dos recursos, que terão até 30 anos para serem pagos com juros subsidiados e carência nos 5 primeiros anos da concessão, além do Estado se responsabilizar na garantia do uso das ferrovias. Com estas medidas, estima-se rentabilidade de até 15% para os “investidores”.
Estes recursos não entram nos cálculos do superávit primário e, mesmo assim, o governo voltou a buscar um superávit de 2,3%, recuando das pequenas inflexões realizadas. Dilma e o PT continuam garantindo os interesses das frações hegemônicas do capital no Brasil, preservando o superávit primário e as taxas de juros elevadas.
A recente MP dos Portos é um exemplo do predomínio dos interesses do capital privado na agenda do Estado. Alardeada como modernizadora, a MP dos Portos parte de um pressuposto errôneo de que a livre concorrência contribuirá para a redução do “custo Brasil”. Em todos os sentidos essa concepção não se sustenta. A MP serve para retirar o Estado de importante setor estratégico a partir da retórica neoliberal da ineficiência pública. A possibilidade de controle dos portos por agentes privados tende a aprofundar as dificuldades para a construção de um modelo de desenvolvimento econômico alternativo.
O governo continua com os criminosos leilões das reservas de petróleo e gás. A realização da 11ª rodada de leilões, iniciadas ainda no período FHC, é mais uma medida do governo subordinada aos interesses das grandes corporações privadas internacionais e, em menor escala, nacionais. Não é surpresa, portanto, que o capital financeiro continue sendo o principal segmento beneficiado pela política econômica do Governo Dilma. O ano de 2012 superou 2011, com destinação de mais de R$ 710 bilhões para pagamento da dívida pública.
Na saúde, o governo negocia subvenções aos planos de saúde privados, continuando o estrangulamento do SUS. A luta pela Reforma Agrária foi abandonada. O primeiro ano de Dilma foi pior, em assentamentos, do que o primeiro ano de FHC. O número de assentamentos vem sofrendo forte redução desde 2007, associado ao fortalecimento do agronegócio, como vimos na discussão do Código Florestal e nos retrocessos que ameaçam as terras e os direitos indígenas.
Os povos indígenas enfrentam a pior relação com um Governo Federal desde a Ditadura Militar. Por sua vez os quilombolas cada vez mais sofrem as consequências da expansão da fronteira econômica agropecuária e mineral enquanto os governos do PT só regularizaram dois territórios quilombolas em 2011 e 2012. A submissão do governo às exigências do agronegócio se mostra também nas tentativas de mudança nas leis constitucionais e mecanismos operacionais de reconhecimento e implementação dos direitos dos povos tradicionais colocando assim em risco a vida e a cultura desses povos.
A juventude brasileira também sofre os impactos deste modelo. Segundo o Mapa da Violência 2012, aumentou a quantidade de jovens mortos por causas externas.
As políticas educacionais, inclusive com a expansão precarizada do ensino público federal, não conseguiram superar seus limites históricos.
A grande maioria dos jovens brasileiros continua sem acesso a políticas públicas em educação, saúde, cultura e lazer, o que permite a ampliação da dependência química, tráfico e violência que corroe o futuro de milhares. Enquanto os governos petista agem no sentido de viabilizar os interesses do grande capital, operam subsidiariamente tímidas melhoras no quadro social brasileiro, uma vez que essas contribuíram - associado à oferta de crédito - para ampliar o mercado interno, não entrando em contradição com o pacto burguês
O limitado aumento real do Salário Mínimo (abaixo do proposto pelo DIEESE, R$ 2.873,56), a ampliação das políticas compensatórias e a redução do desemprego contribuíram para a recente redução do índice de Gini, de 0,559, em 2004, para 0,508, em 2012. Estas pequenas alterações não mudam o fato do Brasil se encontrar entre os dez países mais desiguais do mundo, sendo o quarto pior na América Latina e Caribe. Porém, o quadro geral começa a ser de estagnação dos ganhos e início de perdas. Mais de 70% da população economicamente ativa recebe até três salários mínimos. Grande parte dessa massa de trabalhadores tem destinado parte destes recursos para serviços sociais privados. A falta de políticas públicas universalistas tem corroído parte do limitado aumento da renda recentemente alcançado. Enquanto isso, o governo petista considera de “classe média” aqueles que têm renda pessoal total a partir de R$ 291,00 por mês! Não é por acaso que as recentes mobilizações tiveram as políticas públicas como uma de suas principais pautas.
O mês de junho de 2013 foi um momento marcante registrou os maiores números de greves desde 1997.
Apesar da força que o governismo ainda detém, o povo brasileiro tem ido às ruas aos milhões, trazendo uma multiplicidade de bandeiras que questionam as políticas neoliberais, todas as opressões, o autoritarismo e a violência policial. Foi a jornada de lutas mais intensa desde as Diretas Já e todo este processo vem ocorrendo dentro de um clima de avanço da resistência popular
A tentativa de criminalização e a violência foram as marcas da relação dos governos com as lutas que se desenvolveram,
A direita procurou ocupar espaços – institucionais, eleitorais e midiáticos – tentando disputar os sentidos do movimento. Vimos também a presença de setores de extrema direita de corte fascista, com ações violentas pontuais. Já o governismo tentou cooptar o sentimento de rebeldia popular que tomou conta do povo propondo constituinte, plebiscito, e tantas coisas das quais recuou e até agora não sabe bem o que vai fazer. A desorientação política continua principalmente porque o movimento reduziu sua intensidade, com atos de efeitos pontuais de alcance nacional, mas sem detonar a mobilização de antes. A jornada de junho de 2013, até agora, saiu com vitórias importantes, de efeitos parciais e gerais, tanto econômicos como ideológicos.
Portanto, neste contexto de crise internacional, de baixo crescimento econômico, de retomada da resistência popular e queda generalizada da popularidade dos governantes, a incerteza de outras eras continua,
Carlos Bastos Junior -China/ APS
Nenhum comentário:
Postar um comentário